Por: Marcia RozenthalI; Jerson LaksII; Eliasz EngelhardtIII
INTRODUÇÃO
O aporte de técnicas mais modernas de exames para investigação do sistema nervoso central (SNC) vem influenciando de forma contundente a psiquiatria de uma maneira geral. Cada vez mais os estudos científicos desenvolvidos nesta área vêm considerando, além dos aspectos mentais propriamente ditos (como na psicologia cognitiva), seus substratos neuroanatômicos e neurofuncionais (neuropsicologia, neurobiologia)1-4. Desta forma, a psiquiatria pode ser inserida dentro do vasto campo das neurociências cognitivas, beneficiando-se de modelos que explicam as disfunções cognitivas com base no conhecimento da relação normal cérebro/mente2,5.
A neuropsicologia, que pode ser definida como uma ciência aplicada que visa estudar a repercussão de disfunções cerebrais sobre o comportamento e a cognição6, vem atualmente ganhando importante lugar no estudo das desordens psiquiátricas. A partir de testes, ela não só fornece informações quanto ao potencial cognitivo global de um paciente, mas principalmente procura qualificar a natureza funcional dos déficits observados através da análise comparativa e qualitativa dos resultados obtidos, permitindo uma correlação anatomofuncional refinada. Assim, a neuropsicologia enriquece o diagnóstico clínico e ainda permite correlações com as informações advindas de outros exames complementares, que aferem atividade eletrogênica, metabólica e os de neuroimagem, fazendo uma ponte entre estes e o quadro clínico do paciente7.
A depressão é um transtorno mental do humor; este grupo classicamente apresentaria remissão dos sintomas nos períodos interfásicos em contraposição ao caráter crônico da esquizofrenia, conforme a classificação cunhada por Kraepelin. Entretanto, hoje se estima que 30 a 50% dos pacientes deprimidos não se recuperam totalmente8. Ainda, segundo Trichard et al.9, existe um consenso de que alguns déficits cognitivos da depressão persistiriam após a remissão clínica. Estudos neuropsicológicos e neurobiológicos da depressão têm como objetivo tecer correlações clínico-patológicas para um maior entendimento do transtorno10. Para tal, vêm se centrando em algumas regiões anatômicas onde há maior consistência de achados e correlação com as manifestações psicopatológicas do transtorno. Algumas questões metodológicas, entretanto, devem ser levadas em conta, considerando-se que, em psiquiatria, não existe um padrão-ouro definitivo para a maior parte dos transtornos. O desenho de um trabalho que tome a depressão a priori como uma doença única deve procurar disfunções presentes no grupo de pacientes deprimidos e ausentes nos não-padecentes da desordem (grupo controle). Por outro lado, se a depressão é tomada como um constructo diagnóstico potencialmente heterogêneo quanto às alterações neurobiológicas, seu estudo deve comparar diversos subgrupos pré-delineados (no caso, bipolares, unipolares, idosos, jovens), almejando estudos comparativos. Assim sendo, se consideradas as diversas classificações oficiais, acrescidas daquelas decorrentes de pesquisas, o que resulta é uma grande quantidade de estudos usando amostras distintas e, portanto, não passíveis de comparação. Mesmo fatores referentes à evolução de casos individuais, como, por exemplo, idade ao início do quadro, tempo de duração da doença, presença ou ausência de anormalidades estruturais detectáveis, parecem ser também relacionados com a gravidade dos achados neuropsicológicos11. Outra questão diz respeito à verificação e qualificação de eventuais alterações neurofuncionais que estariam presentes durante um episódio depressivo. Alterações permanentes presentes antes e após a remissão dos quadros agudos se constituiriam num traço ou vulnerabilidade para a desordem. Também mostra-se importante diferenciar, dentre os achados (mesmo os mais consistentes na literatura), quais seriam primários do transtorno estudado e quais seriam secundários ou adaptativos12. Essas questões, longe de estarem totalmente respondidas, vêm se tornando cada vez mais presentes nos estudos consultados, sendo a seguir apresentados alguns resultados mais relevantes. Os artigos consultados para este estudo foram resultado de busca nos bancos de dados MEDLINE e Lilacs usando as palavras-chave depression, neuropsychology, neuroanatomy, neurobiology e frontal lobe.
As regiões mais estudadas têm sido as áreas frontais e suas conexões, bem como as áreas temporais. Abaixo são relatados os principais achados.
Área frontal
Alterações localizadas. A importância de alterações frontais em quadros depressivos vem sendo ressaltada por vários autores13-20, levando-se em conta as alterações clínicas relacionadas à atenção, psicomotricidade, capacidade executiva e de tomada de decisão encontradas em quadros típicos. As áreas frontal e estriatal também têm como importante função a modulação das estruturas límbicas e do tronco encefálico, que estão fisiologicamente envolvidas na mediação do comportamento emocional; sendo assim, disfunções nesses circuitos devem participar na patogênese dos sintomas depressivos21.
Estudos anatômicos e de neuroimagem funcional vêm apontando alterações nas áreas frontais em amostras distintas de pacientes deprimidos (idosos, jovens, unipolares, bipolares). Foram relatadas alterações anatômicas do córtex orbital bilateral em pacientes deprimidos idosos com uso de ressonância magnética (RM) cerebral22, além de diminuição do fluxo sangüíneo e do metabolismo no córtex pré-frontal em depressões uni- e bipolares23.
Estudos com tomografia por emissão de pósitrons (PET scan) referem semelhanças entre pacientes uni- e bipolares, sugerindo um núcleo comum ligado ao componente emocional. Haveria uma diminuição do metabolismo no córtex pré-frontal, ao longo da linha média, a qual estaria relacionada a uma alteração da anatomia desta região, com a redução do seu tamanho24-25. Embora esta anormalidade anatômica tenha um caráter persistente, o aspecto metabólico, ao contrário, seria flutuante, de acordo com o estado clínico e com o tratamento com antidepressivos.
A região subgenual pré-frontal cortical foi examinada em pacientes deprimidos, maníacos em remissão e pacientes em fase maníaca. Foi verificado que pacientes maníacos e deprimidos apresentaram uma diminuição na atividade desta área quando o humor voltou ao normal. Esta área teria seu volume anatômico reduzido nesses pacientes, tornando-se hiperfuncionante nas fases maníacas ou depressivas e retornando a um funcionamento basal quando o humor volta ao normal. Esta região é normalmente relacionada com a geração de palavras por associação e é ativada em indivíduos normais quando solicitados a gerar pensamentos tristes uma forma experimental de induzir humor depressivo em laboratório. O que poderia ocorrer em pacientes deprimidos seria uma hiperatividade associativa quando experimentam pensamentos negativos incessantes. Existem controvérsias quanto à origem da redução no tamanho desta região observada no PET scan, podendo ser esta uma conseqüência tardia do dano tecidual referente ao hiperfuncionamento crônico dessas áreas cerebrais21,24-26.
Alterações nas principais conexões. As áreas associadas com a rede atentiva e de orientação vêm sendo muito estudadas na depressão, com base na idéia de que, na depressão maior, o sistema neural envolvido no processamento das informações externas e manutenção do estado de vigília seriam suprimidos em favor de sistemas envolvidos no processamento interno gerador de informações, como pensamento e emoções27.
Thase11, em revisão feita sobre aspectos anatômicos na depressão, relata alterações na substância branca subcortical, especialmente na área periventricular, gânglios da base e tálamo. Mais comuns no transtorno bipolar I e entre idosos, essas alterações parecem refletir efeitos neurodegenerativos deletérios de episódios recorrentes de humor. Alargamento ventricular, atrofia cortical e acentuação dos sulcos também foram descritos em pacientes com transtorno do humor comparativamente com controles. Haveria, ainda, redução do fluxo sangüíneo e do metabolismo em tratos dopaminérgicos do sistema mesocortical e mesolímbico na depressão. Existem evidências de que os antidepressivos normalizam parcialmente algumas dessas alterações.
Sweeney et al.15 e Soares & Mann23,28 relatam alterações funcionais do sistema frontoestriatal, redução do fluxo sangüíneo e metabolismo em gânglios da base em deprimidos uni- e bipolares. Em pacientes unipolares, esses autores observam aumento da taxa de substância branca, em especial na área periventricular, e redução dos núcleos caudato e putâmen em pacientes unipolares. Em pacientes bipolares, haveria aumento do terceiro ventrículo.
O córtex pré-frontal mantém íntimas conexões com as vias paralímbicas, amplamente relacionadas com aspectos emocionais. O cíngulo parece ter importante função nas reações de separação em animais, podendo estas ser provocadas quando feita estimulação elétrica desta área. Alterações microestruturais da substância branca lateral à área cingular anterior parecem estar relacionadas à baixa taxa de remissão observada na depressão de pacientes idosos18. Alterações frontoestriatais e límbicas vêm sendo identificadas em subgrupos de pacientes deprimidos idosos e jovens, sendo que a presença desta parece estar relacionada com uma pior evolução a curto e a longo prazo18. Assim sendo, a identificação desta alteração é importante não só para complementar o entendimento do quadro clínico, mas também pelas implicações terapêuticas que serão citadas a seguir.
A amígdala também vem sendo amplamente estudada nos transtornos afetivos por estar intimamente relacionada ao aprendizado emocional10. O núcleo central da amígdala parece ser de crucial importância para a relação entre emoção e comportamento. Em estudos com animais, observa-se que a atividade neuronal nesta região aumenta quando o animal se depara com estímulos carregados de emoção, e a estimulação da amígdala central resulta em respostas emocionais (como medo) na ausência de estímulos externos. Desta forma, Kennedy10 refere, em estudos com PET scan, anormalidades consistentes nas regiões pré-frontais, cingulares e da amígdala. Outros autores22,25,29 também descrevem anormalidades nesses circuitos na depressão.
Na depressão, parece haver uma redução global do metabolismo cerebral anterior e um aumento do metabolismo de glicose em várias regiões límbicas, com ênfase na amígdala. A melhor evidência desta anormalidade vem de estudos de pacientes com depressões relativamente graves e recorrentes e uma história familiar de transtorno do humor. Durante os episódios de depressão, o aumento do metabolismo de glicose estaria relacionado com ruminações intrusivas. Este hipermetabolismo amigdaliano serviria como um amplificador emocional que ajudaria a distorcer os sinais de estressores relativamente menores em pessoas vulneráveis27. Segundo Thase11, esta alteração seria reversível com farmacoterapia eficaz.
Córtex temporal
Alterações específicas nas áreas temporais vêm sendo estudadas tanto nas depressões unipolares quanto bipolares, em grande parte pela correlação entre a depressão e a alteração na regulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, levando a efeitos adversos de hormônios do estresse sobre o hipocampo e a amígdala15,23,28,30-33, regiões amplamente relacionadas com a área pré-frontal, como visto anteriormente.
Questões especiais – Depressão com psicose
A CID-10 e a DSM-IV classificam a depressão maior como um constructo e permitem um quarto e quinto dígitos para especificar se há ou não presença de psicose. Os argumentos para manter a depressão psicótica como um subtipo específico se mostraram falhos, embora existam algumas evidências de diferenças neurofuncionais e neuropsicológicas entre as formas de depressão delirante e não-delirante34-35. Clinicamente, a depressão psicótica se distingue por ter pior prognóstico, pior resposta aguda ao antidepressivo, maior taxa de recaídas, maior gravidade dos sintomas depressivos, maior comprometimento neuropsicológico e história familiar positiva.
Simpson et al.36 encontraram, em estudo realizado com pacientes deprimidos com psicose, algumas alterações anatômicas preditoras de delírio: atrofia diencefálica, lesões no sistema reticular ativador ascendente e atrofia frontotemporal esquerda, sugerindo que a atrofia cerebral primária seria importante na vulnerabilidade para a formação do delírio. Alterações anatômicas afetando a formação reticular pontina se mostram mais prevalentes nos pacientes psicóticos34,36-39. Estas evidências sugerem predisposição genética para alterações paralímbicas neurodesenvolvimentais, que aumentam a vulnerabilidade do paciente à psicose durante a depressão. Aqueles pacientes com funcionamento paralímbico normal teriam melhor capacidade para racionalizar os processos ideativos mórbidos com respostas não-delirantes auto-referentes. A região paralímbica parece ser importante para este processo de racionalização das informações sensoriais. A atrofia do tronco cerebral e do sistema reticular ativador podem predispor pacientes com atrofia diencefálica e frontotemporal a um pior processamento de suas experiências pelo sistema límbico, com conseqüente vulnerabilidade para o desenvolvimento de delírio. E a desinibição, característica das desordens do lobo frontal, também pode facilitar a expressão dos delírios.
ACHADOS NEUROPSICOLÓGICOS
Várias são as queixas neurocognitivas presentes durante o estado depressivo, incluindo redução das habilidades atentiva e mnêmica e lentidão do pensamento40. Tendo-se em conta a complexidade dessas funções e, ainda, o maior aporte de conhecimento das alterações neurofuncionais subjacentes às mesmas, a neuropsicologia vem cada vez mais se aprimorando no sentido de dissociar as funções estudadas para então identificar fatores ou padrões neuropsicológicos que seriam fundamentais na depressão. Ressalta-se que os achados neuropsicológicos descritos na depressão não podem ser atribuídos totalmente aos aspectos motivacionais41.
Estudos sugerem que algumas alterações cognitivas podem estar presentes na depressão unipolar, sendo estas independentes do estado depressivo. Na depressão recorrente com melancolia, a melhora do humor à noite não é acompanhada de melhora cognitiva42.
A seguir são descritos os principais domínios estudados na depressão.
Atenção
Algumas anormalidades neuroanatômicas permanecem com a melhora do quadro e sugerem a permanência de algumas alterações cognitivas domínio-específicas, bem como da disfunção cerebral regional7.
Pacientes bipolares sintomáticos teriam alterações da atenção sustentada, do controle inibitório6,15,43,44 e da capacidade de alternância do foco atentivo15,43, sendo que essas alterações parecem não remitir com os sintomas.
Pacientes unipolares apresentariam alterações na capacidade de seqüenciação vísuo-espacial, memória imediata e atenção quando comparados com indivíduos normais. Essas alterações estariam presentes também nas fases assintomáticas, sendo que pacientes do sexo masculino com quadros crônicos teriam maior chance de permanecer com este perfil de déficits42. Purcel et al.40 também descrevem, em pacientes deprimidos unipolares, comprometimento da capacidade de sustentar a atividade cognitiva e motora, de alternar o foco de atenção, além de lentificação motora e cognitiva. Esses déficits teriam relação com a gravidade do quadro, sendo mais intensos em pacientes que necessitam de internação hospitalar.
Memória
A alteração de memória estaria relacionada a uma desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, levando a efeitos adversos de hormônios do estresse sobre o hipocampo15,24,31-33. Considerando-se as diversas fases do processo de memorização, seguem os principais achados de alterações encontrados na literatura consultada.
Memória de curto prazo. Pacientes deprimidos queixam-se de baixa concentração e de dificuldade de memorizar, padrão este diferente dos pacientes que apresentam alterações primárias do processo de fixação da memória. Porém, a maioria dos estudos não demonstra alteração da memória de curto prazo em deprimidos44-47, embora Purcel et al.40 tenham observado falha do aprendizado associativo em idosos deprimidos.
Memória de longo prazo. A maioria dos estudos encontra evidências de comprometimento da evocação e reconhecimento tanto de material verbal quanto não-verbal.
Memória episódica. Sweeney et al.15 descrevem alterações de memória episódica durante as fases mistas ou maníacas e também nas depressões uni- ou bipolares.
Memória semântica. McKena48 refere que pacientes deprimidos com psicose parecem apresentar um comprometimento específico na evocação de informações organizadas por seus significados em categorias semânticas, sendo esta uma ponte entre a disfunção e a sintomatologia clínica, referindo-se às falsas crenças (delírios ou idéias deliróides).
Memória implícita. Os pacientes deprimidos não revelaram alteração específica nesta função.
Evocação. É descrito que pacientes deprimidos teriam maior seletividade na evocação de material negativo49-50. Williams et al.51 sugerem que o processamento cognitivo ocorreria em dois tempos: um pré-atentivo (que segue a captura atentiva da informação e é refletido em testes de memória implícita) e outro elaborativo (que envolve a associação de informações-alvo com outras informações na memória, refletida em testes explícitos). Se a memória implícita não é comprometida, a memória congruente com o humor será expressa em testes de memória explícita. Denny & Hunt52 mostram que pacientes deprimidos evocam mais material negativo do que positivo, o mesmo não ocorrendo em testes implícitos. Mesmo assim, na medida do grau de significância, esses achados se mantêm ainda inconclusivos.
Pacientes deprimidos apresentariam déficits na recordação em tarefas que requerem o uso espontâneo de estratégias, ao contrário do observado naquelas que direcionam o uso de estratégias ou que prescindem das mesmas, indicando que os déficits experimentados na depressão se dão na iniciativa cognitiva. Deprimidos têm prejuízo da evocação de material cujo processamento é “desgastante”, como resultado de reduzida capacidade em perfazer essas operações, mas não por uma diminuição na quantidade de material lembrado, visto em tarefas dependentes de processamentos mais automáticos53.
Memória verbal e visual. Em pacientes bipolares, é descrito o comprometimento da memória verbal mesmo em pacientes eutímicos, sendo que a memória vísuo-espacial não apresentaria alteração consistente6,40,43,54,55. Para os bipolares, o tempo de estado em crise (mania ou depressão) parece se correlacionar negativamente com o desempenho da memória verbal e com o funcionamento executivo. Esses achados sugerem a presença de dificuldades neurocognitivas persistentes em pacientes com transtorno bipolar de longa data e a existência de um agregado de efeitos negativos diretamente relacionados à duração da doença bipolar sobre a memória verbal e sobre o sistema executivo.
Velocidade de processamento
É descrita lentidão do processamento cognitivo em pacientes bipolares6,43, unipolares jovens e idosos40,42 e em pacientes psicóticos36.
Função executiva
Tendo em vista as disfunções que dizem respeito à região pré-frontal na depressão, vários estudos neuropsicológicos vêm se atendo ao funcionamento executivo nesses pacientes. A síndrome de disfunção executiva na depressão18,19 vem sendo estudada e, considerando suas interferências diretas na vida diária e no prognóstico desses casos, torna-se fundamental sua identificação. Seguem alguns achados relevantes.
Flexibilidade mental. Mostra-se comprometida em vários estudos em deprimidos unipolares e bipolares6,22,40, com persistência de estratégias inapropriadas, o que pode explicar, em parte, as ruminações depressivas, que, mesmo reconhecidas como estranhas e indesejáveis, não são rechaçadas.
Estruturação de estratégias de planejamento. Observa-se alteração em pacientes bipolares e unipolares6,36.
Processo de iniciação e supervisão. Deprimidos parecem ter alteração executiva relacionada à iniciação da tarefa, mantendo normal a capacidade de supervisão56.
Emoção e tomada de decisão
Uma nova abordagem para estudar o processamento de tomada de decisão leva em conta que, em que pessoas normais, a emoção facilita o processo de tomada de decisão, guiando a cognição22,57,58. Este processo tem grande relevância clínica em pacientes deprimidos, considerando-se que estes geralmente têm dificuldades em tomar decisões. Da mesma forma, indivíduos que experimentam episódios maníacos tendem a despender um envolvimento excessivo em atividades prazerosas, com maior potencial para conseqüências nocivas e perdendo, desta forma, a plenitude de possibilidades a serem consideradas no processo de tomada de decisão.
Estudos conduzidos nesta área16 demonstram que pacientes deprimidos são mais lentos no processo de deliberação e, quando solicitados a “apostar” em suas decisões (para avaliar o quanto estão seguros das mesmas), usam estratégias alteradas (mais conservadoras), com menos confiança. Os pacientes também apresentam percepção distorcida do feedback ambiental, respondendo anormalmente quando este é negativo e sugerindo uma desregulacão dos sistemas de reforço. Em deprimidos, esta resposta comportamental anormal ao feedback de desempenho é associada a uma resposta neural anormal na região implicada com mecanismos de recompensa o caudado medial e o córtex órbito-frontal ventro-medial. Essas áreas estariam na base de processos cognitivos que requerem informações afetivas, relacionadas ao processamento de significados relacionados às emoções, sendo extensivamente conectadas com estruturas límbicas implicadas, do ponto de vista comportamental, no processo de motivacão, incentivo e reforço.
Segundo Murphy et al.16, nos transtornos de humor, parece haver uma falha nos processos inibitórios de comportamentos. Tanto os pacientes maníacos quanto os deprimidos parecem apresentar impulsividade, sendo que, na depressão, este fator, quando evidente, estaria ligado às tentativas de suicídio.
IMPLICAÇÕES TERAPÊUTICAS
O estudo de alterações neurofuncionais e neuropsicológicas ainda está longe de elucidar os fatores causais referentes aos processos mentais. Além de aspectos genéticos e constitucionais poderem interferir na estrutura do SNC e, assim, na gênese dos transtornos mentais, a demonstração de que o aprendizado é acompanhado por modificações da eficácia das conexões neurais tem provocado a revisão dos conceitos sobre as relações entre os processos sociais e biológicos na determinação dos padrões de comportamento. Sabe-se que eventos do dia-a-dia podem provocar um enfraquecimento efetivo das conexões sinápticas em determinadas condições e seu fortalecimento em outras. Isso pode ser de grande relevância na busca de técnicas terapêuticas não-medicamentosas com vistas a estimular disfunções clínicas observadas em testes59. Assim sendo, a neuropsicologia deve ser considerada como um importante instrumento para a compreensão dos transtornos mentais, sendo de grande utilidade no processo de estruturação das intervenções terapêuticas mais diretivas para os déficits observados.
No caso específico da depressão em pacientes idosos, mas também em pacientes adultos, a alteração executiva pode ser significativa durante a evolução, sendo que a presença desses déficits está correlacionada com comprometimento funcional, pior resposta ao tratamento, recaídas e recorrências19. A identificação desses pacientes mais comprometidos se mostra fundamental, tendo em vista que a atividade de vida diária pode ser melhorada através de estratégias compensatórias, e sua preservação parece interferir diretamente sobre o prognóstico desses casos60. Estudos preliminares sugerem que o uso de terapias voltadas para a resolução de problemas se mostra eficaz na redução dos sintomas depressivos e na melhora do desempenho em atividades da vida diária, podendo ser uma alternativa terapêutica importante para a população que permanece sintomática61.
CONCLUSÃO
Os estudos dos aspectos neuropsicológicos dos transtornos mentais e, no caso específico desta revisão, da depressão são de grande importância na medida em que permitem a aproximação do campo das neurociências ao da psiquiatria. Não se pode perder a dimensão crítica dos achados encontrados, havendo várias questões e controvérsias que ainda permanecem em aberto. Porém, sem dúvida, vários aspectos vêm sendo melhor entendidos pelos clínicos, permitindo uma melhor compreensão do estado crítico e intercrítico dos transtornos de humor e abrindo caminhos para a busca de técnicas mais eficazes de diagnóstico, tratamento e prevenção de eventuais seqüelas cognitivas nos pacientes.
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